Quando contei à Sebastiana que tinha sonhado muitas vezes com aquele lamento das carpideiras numa época precisa, há mais de três anos, quando chegara à aldeia, ela respondeu-me com o ar mais natural do mundo, é que o futuro, filha, sempre lá esteve, a gente é que raramente lá vai. Mas às vezes acontece e em sonhos, então, é quase sempre. Mas não sabemos vislumbrar o que nos está a ser mostrado e pensamos que é maluqueira da nossa cabeça adormecida. Isso assucede com o tempo e também com o espaço, que tu quando sonhas vais a lugares onde pensas que não estiveste e aquilo é outro sítio e outro tempo que tanto pode ser futuro como passado. São poderes que todos temos mas não sabemos usar e se calhar sabendo não tinha a vida o saboroso mistério que tem.
Andei eu a estudar na Sorbonne para vir encontrar a sabedoria num cafundó de restaurante de uma aldeia minúscula condenada à submersão. A vida e o seu saboroso mistério.
Andei eu a estudar na Sorbonne para vir encontrar a sabedoria num cafundó de restaurante de uma aldeia minúscula condenada à submersão. A vida e o seu saboroso mistério.
Mas a vida também tem mistérios menos saborosos e um deles é eu não saber resolver a relutância do meu corpo em acatar os desígnios da minha mente.
Cada vez mais receosa de estar a arrastar o Ivo para uma situação insustentável, comecei a pensar se o certo não seria regressar a França, terminar ali, no dia 1 de Setembro, a minha modesta profissão de recolher lendas e costumes da aldeia dos meus antepassados, de testemunhar o seu destino náufrago e lançar às águas do rio um derradeiro adeus numa capela de rosas cor de fogo.
Cada vez mais receosa de estar a arrastar o Ivo para uma situação insustentável, comecei a pensar se o certo não seria regressar a França, terminar ali, no dia 1 de Setembro, a minha modesta profissão de recolher lendas e costumes da aldeia dos meus antepassados, de testemunhar o seu destino náufrago e lançar às águas do rio um derradeiro adeus numa capela de rosas cor de fogo.
Sonhei.
Caminhava por uma estrada e era de noite e eu tinha pressa porque as águas me perseguiam e eu não tardaria a afogar-me. Tinha que chegar à encruzilhada antes que a manhã nascesse e eu vinha ofegante, com o coração a bater-me na garganta e as sandálias molhadas de uma língua de rio que me lambia os calcanhares.
Mas estava escuro e não via nenhum caminho, ainda não era ali, e os meus pés começavam a dissolver-se quando avistei ao longe, na primeira claridade da aurora, uma estrada que atravessava a minha e pareceu-me um bom prenúncio este clarear de madrugada.
Por fim cheguei.
No centro da encruzilhada havia uma roseira cor de fogo que teria de contornar antes de fazer a minha escolha.
Então parei e com a carícia insidiosa da água já nos tornozelos, já nos joelhos, olhei em volta e soube que se fizesse a escolha errada seria engolida pelo rio.
(…)
Mas estava escuro e não via nenhum caminho, ainda não era ali, e os meus pés começavam a dissolver-se quando avistei ao longe, na primeira claridade da aurora, uma estrada que atravessava a minha e pareceu-me um bom prenúncio este clarear de madrugada.
Por fim cheguei.
No centro da encruzilhada havia uma roseira cor de fogo que teria de contornar antes de fazer a minha escolha.
Então parei e com a carícia insidiosa da água já nos tornozelos, já nos joelhos, olhei em volta e soube que se fizesse a escolha errada seria engolida pelo rio.
(…)
Atravessei (…).
Já estava abraçada ao menino da minha redenção que me ensinou que o caminho é em frente e só o amor tem a força de apartar as águas.
Rosa Lobato de Faria - O Prenúncio das Águas
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