"Convite para uma chávena de chá de jasmim"


segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Sociedade Pop-Psi


A sociedade pós-moderna é a época do deslizar,um tempo em que a res publica já não tem qualquer elo sólido, qualquer ponto de ancoragem emocional estável. (...) Tudo se desliza e se paga numa indiferença descontraída. O narcisismo é indissociável desta tendência histórica para a transferência emocional; (..)não se caracteriza apenas pela auto-absorção hedonista.Tem o seu modelo na psicologização do social. Cada um de nós pretende tornar-se locutor e ser ouvido mas quanto mais os indivíduos se exprimem menos há que dizer. Paradoxo reforçado ainda pelo facto de ninguém se interessar, no fundo, por tal profusão de expressão com a excepção do emissor ou criador.

Numa sociedade aberta, plural, levando em conta os desejos do indivíduo e aumentando a sua liberdade combinatória, a sedução non stop tornou-se o processo geral que tende a regular a vida pós-moderna. Esta, sem imperativo categórico cria um ambiente em que o processo de personalização reduz os quadros rígidos e coercivos.

O culto da espontaneidade e a cultura psi estimulam o indivíduo a ser "mais" ele próprio, a "sentir", a libertar-se dos papéis e "complexos". É a cultura do "feeling" e da emancipação individual alargada a todos os grupos de idade e sexo. O processo de personalização asseptiza o vocabulário como o coração das cidades, os centros comerciais e a morte. O indivídui pós-moderno está ligado à música de manhã à noite como se precisasse de uma desrealização estimulante.

Numa altura em que o crescimento económico se esgota, o desenvolvimento psíquico reveza-o; no momento em que a informação se susbstitui à produção, o consumo de consciência torna-se uma nova bulimia: ioga, psicanálise, dinâmica de grupo. Canalizando as paixões no sentido do eu, promovido à categoria de umbigo do mundo, a terapia psi, gera uma figura inédita de Narciso, identificando doravante este com o homo psychologicus. Narciso obcecado por si próprio não sonha, no seu grande destino de autonomia e de independência.

Narcisismo total em que a palavra de ordem já não é a interpretação mas o silêncio do analista: libertado da palavra do Mestre e do referencial de verdade o analisando é apenas entregue a si próprio numa circularidade regida exclusivamente pela auto-sedução do desejo. Quando o discurso cede à emoção directa, o narcisismo pode cumprir-se em toda a sua radicalidade.

Quanto mais o Eu é investido, feito objecto de atenção e de interpretação, mais a incerteza e a interrogação crescem: o Eu tornou-se um conjunto frouxo.

in A era do vazio de Gilles Lipovetsky

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